segunda-feira, 6 de agosto de 2012

Prece - Ana Paula Lisboa



Hoje ascendi uma vela e pedi.
Pedi não pela alma dele, pedi pelo corpo.
Pedi para que seu corpo sobreviva.
Pedi para que as 14 ligações da madrugada
não fossem noticia de morte, matada
ou morrida.
Pedi para que um homem preto de 50 anos, que nunca teve problemas com a polícia,
não tivesse que visitar o filho preso, no dia do aniversário.
Pedi para parar de soluçar.
Pedi para que o tempo voltasse, o tempo em que eu cantava, o tempo da roupa azul,
do primeiro filho homem, da chupeta perdida,
do pano verde.
Um homem no ônibus me viu chorando, ele tinha o cabelo verde.
Coincidência.
Pedi muito para que a policia não entrasse na casa de telhas, não quebrasse tudo,
não esculachasse minha mãe,
não colocasse pavor na minha irmã,
não achasse drogas e não nos olhasse nos olhos como se a gente fosse mais um bando de favelados
e bandidos.
Pedi tanto pra ter estado lá nessa hora!
Pedi para parar de chorar e me culpar por não cumprir as obrigações de quem nasce primeiro.
Pedi encarecidamente para o que único Severino que tivesse entrado na família fosse
o que eu namorei há uns anos e para que nenhum Padre destrua nossa vida.
Mesmo sabendo do erro, em momentos pedi para que ele morresse.
Porque aí talvez houvesse paz, mas eu sei que não, a paz não se faz tão fácil.
E sei ainda que talvez ele morra sim, mesmo sem eu pedir.
Por fim não pedi por ele, pedi por mim, pela minha casa,
por todos os jovens pretos, buchas do tráfico,
favelados de 17 anos que fazem seu pai, irmãs, mãe, tia, prima, madrinha e cunhado
pedirem a Deus por eles.

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