sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Os sentidos – Ana Paula Lisboa

A tradição era a de ouvir.
Ouvir canção de ninar, ouvir historia de Griô e aprender que quando o arroz estala é por que a água já secou. E aprendi assim, sem nem saber como.

A tradição era a de ver.
Ver o pôr do sol na Pedra, de ver passista sambar, de ver a barra da saia rodar. Gosto de ver o tempo passar e me ensinaram a ver o vento quando ele bate no cabelo da moça, e de tanto ver o mundo, aprendi. E aprendi assim, sem nem saber quando.

A tradição era a de cheirar os perfumes da penteadeira da madrinha, de cheirar canela em pau, pitanga no pé, de cheirar a chuva e aprender a dar o carinho mais gostoso do mundo, o cheiro. Descobri que cada coisa no mundo tem seu cheiro gostoso. E aprendi assim, sem nem saber como.

A tradição era a do prazer de estourar plástico bolha, de aprender na pele que lagarta verde queima, mas que as piores são as lagartas pretas, de saber que quando o corpo arrepia pode não ser de frio e perceber que tem gente que quando chega perto, faz minha mão suar. E aprendi assim, sem nem saber como.

A tradição era a de lamber colher de pau que faz brigadeiro, saber que cachaça boa é aquela de desce rasgando, saber que quem beija bem, beija de língua e descobrir mais tarde que amargo, azedo, doce ou salgado é muito pouco pra falar de todos os gostos que provo. E aprendi assim, sem nem saber quando.

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