terça-feira, 23 de março de 2010

A Dona da Casa- Ana Paula Lisboa

Tive cinco, cinco filhos com meu marido, que era pra ajudar na roça, mas veio tudo mulher. A roça sustentava a casa e meu marido era o dono da roça.
Eu e as menina passava, lavava e tecia, que ensinei tudo a tecer que nem a mãe me ensinou. E eu era a dona da casa.
Aí um dia, o que era dono de mim e dono da roça, Deus levou. Minha mais velha ficou como dona da casa e eu virei a dona da roça.
Aí um dia eu chorei, chorei que molhei a roça toda, ficou tudo quase lama. Mas não parei de trabalhar mesmo chorando, que choro não faz brotar nada, só o trabalho é que faz.
Aí um dia eu ajoelhei, ali mesmo. E com o joelho na terra pedi a Deus que me desse um modo certo de sustentar eu e as menina, mas sem aquele sol na molera e a saudade do dono do meu coração.
Aí eu adormeci e sonhei que tava tecendo, eu e as menina. Era uma colcha, mas não aquela que a mãe me ensinou e eu ensinei pras menina. Era uma nova, que os desenho do pano nascia junto com o pano.
No sonho eu via os ponto de longe, depois via os ponto de perto, depois eu fazia o ponto e eu era o ponto tudo junto. Aí eu olhava pro lado e via minhas menina fazendo ponto e elas era ponto junto comigo; aí eu olhava pro outro e via as vizinha fazendo ponto e elas era ponto junto comigo.
Aí eu olhei denovo e tava pronto. Era colcha, e era colcha que tinha um jardim verde, verde. Tu não via um pedacinho de terra de tanta árvore, de tanta fruta, de tanta plantação. E a gente ficava tudo em volta olhando, olhando e não cansava o olho de olhar nosso trabalho.
Aí eu acordei e só queria tecer, mas tava escuro ainda. Fiquei na porta esperando o sol e quando vi uma pontinha dele corri pro tear.
Não fui pra roça, não. As plantas não ia morrer num dia, mas eu ia morrer se não tecê. Tinha hora que eu fechava o olho assim, e lembrava, e tecia mais ainda. Nem lembro se eu comi, se eu bebi nesse dia, só sei que eu teci.
Aí eu ensinei pras menina, ensinei pras vizinha e todo mundo pegou rápido, parecia até que elas tinha sonhado junto comigo.
Mas não esqueci de agradecer a Deus, porque depois de aí, eu Antonia, voltei a ser a dona da casa.

Um comentário:

  1. Eu gostaria de explicar a você tudo que esse texto me traz, tudo que ele me faz, mas não consigo. Está acima da minha capacidade de expressão. É perfeito, forte, vivo, é real.
    Sou fã de vocês duas, da Ana e da Antônia.

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