segunda-feira, 19 de abril de 2010

Copos - Ana Paula Lisboa

Sim, copos se quebram. Ouvi isso hoje de um amigo e só agora atinei. É verdade, meu Deus, copos se quebram.
Quando criança quebrei vários copos, sempre os preferidos de minha mãe. Ela viu durante os anos a louça que ganhou de casamento ser quebrada pelo três filhos. Será que minha mãe ficou triste alguma vez? Claro que ela reclamava, brigava, me chamava de relaxada, desleixada... mas nunca a vi chorar por um copo quebrado. Minha mãe, em sua imensa sabedoria, já sabia o que só aprendi hoje: copos não duram para sempre.
Não adianta, por mais cuidado que tenhamos ao lavá-los ou guardá-los, um belo dia eles escapam de nossas mãos e a Lei da Gravidade vence. E não adianta querer esconder os cacos, dizer que não viu o copo, minha mãe sempre sentia falta e via nos meus olhos o que eu tentava disfarçar.
Mas existe uma chance. Minha bisavó, que por sinal ainda está viva, tinha duas cristaleiras em casa. Os copos eram lindos, reluzentes... e o espelho que ficava ao fundo do móvel fazia com que eles brilhassem ainda mais. Os copos mais lindos que já vi. A cristaleira ficava trancada a chave e a chave ficava trancada no guarda roupas dela. Mas para que tanto cuidado com algo que foi feito para quebrar? Minha bisavó tem uns 95 anos e aqueles copos tem pelo menos a metade da idade dela. Essa é a forma para os copos não se quebrarem nunca, é só não usá-los nunca. Fácil assim.
Cristaleira é móvel que nunca terei. Quero usar meus copos, quero usá-los muito. Quero quebrá-los por acaso, no susto e também quando der vontade. Se os gregos quebram pratos eu posso muito bem quebrar copos.
Minha mãe, sabia como sempre, depois que minha terceira irmã nasceu, cansou de ter copos quebrados, agora é tudo de plástico. Copos de plástico, pratos de plástico. Felizes são os talheres! Eles não se quebram fácil, podem ser usados sem medo.
O coração é como um copo de vidro. Perdoe-me, não queria induzi-lo a fazer analogias, ou metáforas, ou comparações. Mas precisava dizer só isso. Use seu copo. Pode ser com um suco de manga, champanhe, caipirinha ou uma água gelada num dia quente. Use seu copo, não o deixe numa cristaleira, não o venda para um antiquário. Quando minha bisavó mudou-se para uma casa menor não pode levá-los e eu nem sei o que foi feito daqueles copos lindos, mas nunca usados.
E se ele um dia quebrar não tente esconder os cacos ou disfarçar. Sempre há alguém que percebe, dá falta do copo. Esse amigo de hoje encontrou meus cacos no lixo, e nem precisou me olhar nos olhos. E foi tão gostoso quando eu pude confessar a ele: “ Amigo, quebrei meu copo.” Aí ele me pegou pela mão, me levou pra almoçar e me deu, sem que eu pedisse, um copo novo.

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