terça-feira, 27 de abril de 2010

Poesia - Ana Paula Lisboa

Ele ficou louco quando me viu.
Assim, boquiaberto, de quatro,
Sem nexo, sem lenço e
Sem documentos.
Ficou encantado...
Babou pelo meu rebolado e
Veio logo cheio de dedos.

Prostrou-se bem embaixo
Da minha janela.
Me fez serenatas cantando
Melodias sem igual, que
Ele mesmo escreveu pra mim.

Feito um bebê faminto
Chorava implorando que eu
O deixasse meus lábios tocar.
Mas eu dizia que não.
Que moça direita não faz
Dessas coisas.
Que moça donzela e mulata
Não pode ficar mal falada.

Um dia sem avisar, para que
Sua esperança não fosse em vão,
Dei a ele minha mão, para
Que pudesse segurar.
Um arrepio tamanho me
Percorreu o corpo, um sabe
Lá o que me arrepiou a espinha
E uma escola de samba
Tocou no meu peito.

E aí eu comecei a dançar sem musica,
Passei a escrever poesia.
E agora eu cantava alto
Pro mundo musicas
Que antes eu nem conhecia.

Papai diz que não.
Que filha dele não casa com artista,
Que nasci para moço de vista e
A mãe diz que homem branco
Não traz euforia.

Eu fugi.
Fugi porque é melhor ser
Negra fugida do que ser
Negra triste.
Fugi porque a Paixão
É a melhor coisa que existe.

E um dia alguém vai contar
Nossa história. Ou que
Fique mesmo só na nossa memória
Uma antropofagia diária cheia vaidade.
E eu me ufano da urgência de te perguntar
Todos os dias se me amas de verdade.

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